análise da prosa literária

(Estilística I, HL118) (notas aqui)

Segunda avaliação:

Comentários soltos, meras indicações de coisas que poderiam ter aparecido nas análises e que eu fui anotando na medida em que surgiam, ou deixavam de surgir, nas leituras de vocês (portanto, normalmente "fora de ordem" nos termos daquelas leituras pontuais que a gente ia fazendo em sala).

1. O título! A quantidade de gente que citou errado o título do conto!? Crianças...

2. A gente, em sala, tentaria evitar certo "conteudismo", né? Tentar falar mais dos mecanismos formais etc. Aqui, com este espaço e este meio mais contidos (sem ter uma hora e meia pra ficar mastigando frase a frase), posso deixar esse lado menos destacado. Mas algumas análises deixaram o tal do lado completamente de fora. Sem nem mencionar a meia dúzia de uns três ou quatro que entregaram puras, meras e simples "paráfrases" do conto...

3. Em termos tradicionais mais "conteudistas" senti falta de mais comentários a respeito da figura do "pai José". Escravagismo no auge, ambíguas relações pessoais/familiares... outra coisa: podem me chamar de louco, mas e se Mestre Romão fosse gay?

4. Boa parte das esquisitices daquele narrador, especialmente na ligeiríssima transição entre a abertura e aquele corte lindo, não pra o próprio Romão, mas pra conversa entre o negro e a vizinha, pra gente continuar vendo o Mestre "de fora", se ancora (boa parte das esquisitices etc) na afirmação do próprio narrador de que Romão era figura familiar numa época em que "dizer familiar e público era a mesma coisa".

4a. Total 2015, né?

4b. O conto se instaura quase que sob a égide do voyeurismo... e só muito, mais muito lentamente (especialmente pra um texto desse tamanho) entra (e pouco) na cabeça de Romão. "Imagine a leitora", que estamos, como estávamos todos, especulando sobre a vida de Romão....

5. Aliás, "a leitora" era quase um cacoete de Machado a certa altura, em dada medida devido ao público centralmente feminino que esperavam ter os autores de ficção. Mas vejam que, logo de cara, ele como que se trai, ao dizer que nem vai mencionar os olhos das cariocas, que já eram bonitos. Me diga se não parece mais um comentário que se faria de-homem-para-homem?

6. Uma coisinha pontual a se comentar é aquele "terá sessenta anos". Nada de mais aqui. Sem necessidade de inventar interpretações. Era construção normal (e ainda é possível) com sentido especulativo. Lembrar que dela restou o "fóssil" que é o nosso uso de "será" para introduzir perguntas, hipóteses.

7. Uma coisa bacana que alguns apontaram é a "retórica negativa" que se instaura com aquela série de coisas que o narrador "não" vai comentar, e depois se reforça com as coisas que a casa do Mestre "não" tem. É um conto sobre falta. Sobre ausência. E a palavra "não" aparece 34 vezes.

8. Outro contraste divertido, e que ilustra muito bem essa coisa de sair do voyeurismo e tentar olhar de verdade a vida interna, íntima, da figura pública, é a oposição entre a abertura triunfante na igreja e o final quase literalmente "camerístico" em vários sentidos. Da sinfonia à música de câmara. Da festa à morte...

9. Complicado (eu sempre acho) sair irrefletidamente sapecando rótulos tipo "narrador onisciente" sem qualificar as afirmações. "Onisciente"... hmmm... Ele sonega tanto e se aproxima tanto de uma voz comum, comunitária, que "imagina" saber coisas a partir de dados públicos... Ainda, ancorado nessa distância temporal, que tudo borra e confunde, ele parece mais uma fofoqueira bem informada...

10. A "segunda história". A gente falou em sala mais de uma vez da ideia do Ricardo Piglia de que todo conto conta duas histórias. Uma de superfície e uma escondida. E de que a graça é ver de que maneiras a segunda história transparece na primeira. Qual é a "segunda história" de Cantiga de Esponsais. Pior, em se tratando do velho Machado: é só uma?

10a. A 1a é, claro, o relato da morte de Romão.

10b. Uma segunda, embutida naquela, seria a história de sua estéril carreira de compositor. A história de uma frustração.

10c. A segunda, de verdade, pra mim, é a história daquele casamento frustrado (a ver, a ver...), e da eventual ligação disso com a frustração musical. A história de um homem não realizado. E claro que os "casadinhos de oito dias" da casa ao lado representam o oposto da trajetória de Romão e, portanto, a conclusão da música que ele mesmo não consegue terminar.

10d. Alguém pensou que tem muito FDP-mente escondido ali um "auto" bem maluco? Ora, a gente começa num dia de festa, de missa cantada (poooode ser natal)... mas acima de tudo tem aquele cara que mora na "Rua da Mãe dos Homens" (Maria), com um "Pai José"... e as pessoas vão visitá-lo no seu leito, não de recém-nascido, mas de moribundo... safado, hein?

10e. E eu não estou (só) sacaneando quando falo da possibilidade de um Romão gay. O conto não dá qualquer indício que me permita apontar uma solidez da hipótese. Mas com olhos 2015 isso explicaria coisas, não?

11. Sobre aquele "lá". Um bom número de textos se ligou que não se trata de qualquer nota, que a homofonia entre o nome da nota e o advérbio de lugar iconiza gritantemente esse "anseio" do Romão por um "outro lugar", uma outra situação de vida...? Bem menos gente pensou na homofonia entre o "ré" em que ele finalmente trava e a "ré" que de início (desde o século XV) era a "popa" do navio e hoje gerou a nossa "marcha à ré". Ele parece incapaz, de fato, de ir adiante

(Toda uma minidiscussãozinha formal musical? Why not. O trecho que ele menciona, a sequência de notas que ele estaria tocando ao cravo, sugere vigorosamente uma peça, ou ao menos um trecho, em Lá menor: o mais típico dos tons menores [porque não usa qualquer "tecla preta" do piano, que curiosamente tendiam a ser a teclas "brancas" nos cravos... comentário racial aqui no conto? pirei?]. Ooou seja. Estamos no mundo da "tristeza" dos tons menores. As primeiras notas que ele toca, lá dó mi, formam exatamente o acorde de Lá menor. Num segundo momento ele tocaria uma escalinha ascendente, lá si dó, que culmina naquele ré onde ele trava. Ora, se você está em lá menor, há grandes chances de que o teu próximo acorde seja um Ré menor. E quando ele bate na "cabeça" desse novo acorde, preparado da maneira mais direta [aquela subidinha diatônica], ele trava. Ele encalha, portanto, na hora de "modular", de ir pra outro lugar, de encontrar o "lá", advérbio de lugar, e sair do "lá", acorde musical... maluco...)

(Outra nota nada a ver? Um "lá" é exatamente a nota que soa antes da "modulação" mais famosa da história da música, no Prelúdio do Tristão e Isolda de Wagner, composto depois da morte de Romão, mas antes do conto de Machado. Tristão e Isolda... amor condenado... morte... hmmm.... Só pra continuar na piração, a ópera deveria ter estreado no Rio de Janeiro, mas na batata ainda não tinha sido tocada por aqui em 1883. Se alguém quisesse (moi!?) defender essa leitura, teria que ser a partir da possibilidade de que reduções pra piano estivessem sendo tocadas (e eu diria que estavam) desde os anos 60)

12. Ainda no campo dos nomes, da busca daquele "lá", ninguém percebeu que Romão é sinônimo de "romeiro"? (Voltamos ao natal...)

13. Ainda sobre o casamento frustrado, a Camila é que me fez ver duas refs. (a estranha metáfora da inspiração como um pássaro engaiolado, numa sintaxe que de início nos leva a pensar que o "pássaro" seria Romão, depois de casado; a citação de sua incapacidade de reviver a "felicidade extinta" que entrevê quando vê suas primeiras "notas conjugais", onde essa felicidade pode ser o casamento que ele quis recriar em música ou, se as "notas" fossem algum diário dos primeiros dias, a felicidade dos dias prévios) que podem evocar que não apenas Romão sofre pela perda do casamento, mas que mesmo o casamento não pôde lhe dar aquela plenitude, aquele "lá".

Enfim

coisinhas.

:)

Leitura da prosa literária. 

A disciplina pretende realizar exclusivamente leituras detalhadas (muito detalhadas) de contos e fragmentos de narrativas mais longas, buscando simultaneamente: 

1. aplicar o instrumental e a terminologia da análise linguística para embasar uma anatomia da prosa literária 

2. realizar uma efetiva análise detida (close reading de gente grande) dos recursos estilísticos, rítmicos, temáticos e de “edição” da prosa literária, com vistas a estabelecer uma dinâmica de leitura cerrada. 

3. instrumentar futuros professores de literatura, tradutores e professores de língua portuguesa, permitindo que compreendam, reproduzam e exponham mais solidamente os mecanismos que compõem a prosa literária. 

OS TEXTOS SERÃO LIDOS EM SALA DE AULA

Os textos foram escolhidos em alguma medida pela representatividade histórica, mas também pelo eventual interesse "técnico". No caso dos romances, em geral vamos ler as aberturas. Os contos idealmente serão lidos inteiros em sala de aula.

(Vale registrar que um fatos bem considerável na inclusão de um texto na lista final foi sua disponibilidade, ou não, online)

PROGRAMA

1.Apresentação do curso e da metodologia de leitura.

lista de textos.

Ressurreição

Dom casmurro

Memórias póstumas de Brás Cubas

Memorial de Aires

A cartomante

Pai contra mãe

A causa secreta

João do Rio

Grande Sertão: Veredas

O Burrinho Pedrês

Vidas Secas

Nelson Rodrigues

A paixão segundo G.H.

Amor

Um copo de cólera

João Ubaldo Ribeiro

Rubem Fonseca

Sérgio Sant'Anna

Uma vela para Dario

O vampiro de Curitiba

Ah, é?

Mão na pena

Daniel Galera

Michel Laub

Carlos de Brito e Mello

Juliana Frank

André Sant'Anna

Cristovão Tezza

Alberto Reis

Avaliação:

Duas análises de textos literários breves. A primeira feita sobre um texto fornecido por mim; a segunda, de livre escolha.

A primeira avaliação será entregue no dia 29 de outubro. O texto a ser analisado é O Peru de Natal [linque conferido], de Mario de Andrade. O tamanho? Digamos um máximo de 5000 caracteres, com espaço. A entrega será no email do tio.